ATPC de 22/10/13 a 29/10/13
À beira do caos
Sabe aqueles momentos
em que você acha que perdeu o controle sobre a turma? Calma, todos já passaram
por isso. E sempre tem uma solução
Tudo estava planejado: você iniciaria
o dia com a roda de conversa e, depois, desenvolveria atividades artísticas. Os
pequenos fariam desenhos, sentados nas carteiras, até a hora do recreio. De
repente, um tumulto, uma agitação. Em segundos, eles corriam de um lado para o
outro, gritando, chorando, chamando por você. Que desespero! Você pede a
atenção de todos, mas o barulho é tamanho que ninguém escuta a sua voz pedindo
silêncio. O que fazer? Gritar também? Sair correndo? Sentar e chorar?
Nessas ocasiões, somente calma, jogo
de cintura e conhecimento sobre as causas da desordem ajudam a encontrar a
melhor saída. NOVA ESCOLA ouviu cinco professoras que ficaram à beira de um
ataque de nervos. Especialistas comentam os episódios, explicando os motivos
que levaram à desordem, dão dicas de como agir e indicam a melhor maneira de
evitar que episódios desse tipo se repitam.
1
“Vou ficar sem chocolate”
Um caso de contágio emocional
- OS FATOS “Perdi o controle da
classe em uma situação bastante inusitada. Uma garota foi viajar com a família
no período de aulas e prometeu aos colegas que traria chocolates para todos na
volta. A turma de 4 anos aguardou ansiosamente o retorno. No dia em que a
viajante chegou, estávamos sentados no chão, terminando uma roda de conversa.
Ela apareceu na porta, com uma enorme caixa enfeitada. As crianças ficaram
hipnotizadas. Peguei o pacote e comecei a distribuição, mas a garotada avançou.
‘Também quero!’ ‘Tem pra mim?’ ‘Eu vou ficar sem!’ Coloquei a caixa em uma
prateleira e avisei que comeríamos chocolate apenas na hora do lanche. Tentei
organizar a classe, sugerindo que a menina contasse sobre a viagem. Foi tudo em
vão. A euforia não acabou, as crianças continuaram nervosas e não consegui
fazer mais nada.” Marta
Rosa, Escola Miguilim, São Paulo, SP
- O QUE ACONTECEU? Essa é uma
manifestação característica de contágio emocional. Ela ocorre quando um
determinado fato desencadeia fortes emoções em um grupo. O filósofo e médico
Henri Wallon (1879-1962) atribui significativa importância à reação coletiva no
âmbito da Educação. Ele afirma que a emoção cria uma relação imediata entre os
indivíduos, apontando para a união e para a cooperação (nos casos positivos) e
para o conflito (nos negativos). Lino de Macedo, professor do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), destaca que, no caso de Marta,
houve dissonância entre o critério da professora e o dos pequenos. A primeira,
como adulto que é, julgou o fato com racionalidade, levando em conta que existe
hora certa para comer chocolate, conversar e brincar. Já as crianças queriam
atender a seus desejos e fazer o que é mais agradável no momento.
- O QUE FAZER? Como é difícil para os
pequenos controlar emoções e reações, a melhor atitude é tentar conciliar os
interesses do grupo. “A professora poderia ter distribuído a guloseima ao mesmo
tempo em que a garota contava sobre os lugares visitados”, sugere Macedo.
- COMO EVITAR? Em casos de emoções
descontroladas, a melhor solução é deixá-las fluir, em vez de tentar abafá-las
com regras que ainda não foram discutidas pelos pequenos (portanto,
desconhecidas), e propor uma alternativa para que os desejos sejam atendidos.
2 “Ops… Caiu…”
Típico teste de limites
- OS FATOS “Eu já era professora há
oito anos e, apesar disso, passei um sufoco danado quando precisei lidar com um
menino de 3 anos que me testava o tempo todo. Havia na sala uma bancada repleta
de brinquedos. No meio das atividades, ele se levantava, colocava a mão sobre o
móvel e me lançava um olhar desafiador, ameaçando derrubar tudo no chão. Não
dava outra: era só eu falar que não podia para ele colocar tudo abaixo. Eu ou a
assistente reorganizávamos o espaço. Uma vez, fiquei a seu lado até que ele mesmo
arrumasse a bagunça. Mas, quando estava quase terminando, o garoto derrubava
tudo novamente. Nesse dia, não demorou muito para as outras crianças se
agitarem, falando alto, puxando e empurrando uns aos outros. Percebi que elas
também queriam a minha atenção. Pedi, então, para a auxiliar levá-las ao parque
até a hora da saída. Já o menino permaneceu meia hora a mais na sala, mas
colocou todos os brinquedos no lugar.” Thais Silva, Escola Baby Mel, Salvador,
BA
- O QUE ACONTECEU? A criança estava
claramente testando limites. A percepção do que pode e do que não pode só é
incorporada pelos pequenos aos poucos. Experimentar para saber até onde chegar
com suas atitudes é uma ferramenta natural de aprendizado. Por volta dos 3
anos, a criança inicia a descoberta do outro e, nessa fase, ela precisa também
saber até onde pode ir em relação a ele. Um caso como o descrito também pode
ser interpretado como uma maneira de disputar poder com o adulto. Mas existe
outro aspecto a ser ressaltado: o valor “ordem” está construído apenas na
cabeça dos adultos. Na perspectiva da criança, a bagunça significa uma
possibilidade de exercer a criatividade. Quando ela desarruma a prateleira, tem
a possibilidade de descobrir diferentes formas e caminhos para organizar os
brinquedos.
- O QUE FAZER? Quando os limites são
colocados à prova, a criança não pode ganhar. Do contrário, terá a certeza de
que está comandando a situação. A sanção por reciprocidade (termo usado por
Jean Piaget [1896-1980] para caracterizar punições que têm por finalidade
reparar o dano causado) aplicada pela professora foi correta: desarrumou, tem
de arrumar. É também uma forma de a criança se redimir pelo que fez.
- COMO EVITAR? Sempre haverá crianças
que necessitam de atenção mais individualizada em alguns momentos. “Aliás, este
conflito diário acontece em todas as escolas: como atender o todo e cada um ao
mesmo tempo?”, reflete Lino de Macedo. Por isso, é importante ter sempre dois
educadores em sala para um dar cobertura ao outro.
3
“Eu também quero…”
O caso da classe (des)organizada
- OS FATOS “Durante a Semana do Livro
na escola, uma das atividades programadas para a minha turma era montar uma
maquete do Sítio do Picapau Amarelo. Como nem todas as crianças se
interessaram, realizei o trabalho com apenas algumas. Às outras, sugeri que
lessem ou brincassem. Assim que abri o primeiro pote de tinta para pintar a
base da estrutura, quem havia ficado de fora foi se aproximando. O burburinho
aumentou quando os personagens começaram a surgir dos recortes no papel-cartão.
Todos queriam participar, mas não havia material. Parei tudo, coloquei a
maquete no meio da sala e fui relembrando as histórias de Monteiro Lobato. Só
assim conseguimos terminar o projeto.” Rosiane Perovano, EMEI Teresita Borrini
Farina, João Neiva, ES
- O QUE ACONTECEU? A classe foi
dividida em dois grupos, porém os objetivos de um não estavam relacionados à
atividade principal, para a qual havia mais dedicação da professora.
- O QUE FAZER? Para Zilma de
Oliveira, professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, uma vez
estabelecida a situação, impedir que parte da turma entre na atividade
significaria adotar uma postura autoritária e, novamente, excludente. “Nessas
horas, é preciso ter flexibilidade para acolher os que ficaram de fora e
rapidamente reorganizar a classe, como fez a professora.”
- COMO EVITAR? A situação relatada
poderia não ter ocorrido se tivessem sido adotados critérios didáticos durante
a organização da classe. A divisão das crianças em grupos para a realização de
diferentes tarefas não é um problema em si. Porém todas precisam estar
relacionadas ao mesmo objetivo. O psicólogo espanhol César Coll, professor da
Universidade de Barcelona, aponta que em atividades em grupos o professor
precisa ficar atento às condições de trabalho. Isso inclui cuidar da composição
das equipes e da distribuição de tarefas, dar as instruções iniciais, explicar
o que será feito, construir possibilidades de interações entre os grupos e,
principalmente, fazer com que todos participem do resultado final coletivo.
4
“Foi ele quem começou!”
Briga entre os pequenos
- OS FATOS “Quando eu trabalhava com
uma sala de 5 anos, costumava ter como primeira atividade do dia uma roda de
conversa. Às segundas-feiras, falávamos sobre o fim de semana. Naquele dia,
todos chegaram muito agitados e, nem bem iniciamos o bate-papo, duas crianças
começaram a se provocar. Achei que não ia dar em nada e continuei a ouvir os
outros. Mas a briga iniciou rapidamente e a turma se dividiu em duas torcidas.
Eu e a outra professora seguramos os ‘brigões’ e, quando tudo se acalmou,
sugeri que fôssemos ao parque extravasar.” Maricélia Rocha, CEI Grão da Vida,
São Paulo, SP
- O QUE ACONTECEU? As brigas nessa
idade estão ligadas a padrões de sociabilidade. As crianças observam que muitos
adultos resolvem os conflitos usando a força física e acabam adotando esse
comportamento por observação.
- O QUE FAZER? Depois de separar os
envolvidos na briga do resto do grupo, é importante esperar que eles se acalmem
para depois conversar individualmente, incentivando-os a expor os próprios
sentimentos e a refletir sobre os dos outros. Na maioria dos casos, agressões
físicas ou verbais são algumas das maneiras que os pequenos têm para se
expressar. Uma conversa com os dois juntos é essencial, assim como a discussão
posterior com a turma toda reunida, mostrando que os conflitos acontecem
(dentro ou fora da sala) e não devem ser encarados como algo anormal. Existem,
porém outra maneira de resolvê-los.
- COMO EVITAR? É preciso ficar atento
a esse tipo de situação e isolar as crianças antes que o conflito se espalhe
para o resto da classe. Além disso, o episódio rende assunto para uma próxima
roda de conversa sobre, por exemplo, atitudes amistosas entre os colegas e
dificuldades no convívio. “Manter um bom relacionamento é difícil para todo
mundo. Imagine, então, para quem tem 5 anos”, diz Zilma de Oliveira.
5
“O que eu faço agora?”
Quando o planejamento dá errado
Ilustração: Thais Beltrame
- OS FATOS “Sou professora de uma
turma de 4 anos e conto com a ajuda de uma auxiliar. Certo dia, ela se ausentou
para ir ao médico. Como ficaria sozinha durante um longo período depois da hora
do recreio, quando os pequenos voltam bem agitados, organizei uma atividade
que, na minha opinião, seria bem tranqüila: finalizar um trabalho de arte
iniciado na semana anterior. Quando as crianças já estavam de volta à sala, fui
procurar os desenhos e não os encontrei. Enquanto buscava desesperadamente o
material, pedi que a turma pegasse os gibis e livros que tínhamos espalhados
pelos cantos, o que não estava programado. Os pequenos ficaram muito confusos e
em pouco tempo estavam em polvorosa. Bateu aquele desespero! Coloquei-os em
roda e sugeri cantar uma música mágica: a música do silêncio.
Foi a salvação!”
Mariana Cardoso, Escola Espaço Nossa
Casa, São Paulo, SP
- O QUE ACONTECEU? A falta de
organização antecipada dos materiais e de um plano B foram os motivos do
tumulto. As crianças se sentiram desorientadas porque provavelmente não tinham
o hábito de usar livros e gibis em sala – a atividade que foi sugerida. A
professora ainda teve de lidar com o próprio emocional, que estava abalado: a
inquietação dela certamente foi percebida pela garotada, e um nervosismo
alimentou o outro. Junte-se a isso os elementos de frustração da professora, e
está instalado o caos.
- O QUE FAZER? Apesar de não estar
preparada para um contratempo, uma vez que o tumulto foi instaurado, a
professora conseguiu refletir e agir corretamente. Ao propor uma atividade
envolvendo música e canto, ela começou a mudar a atmosfera emocional não apenas
das crianças, mas principalmente a dela, o que também ajudou a estabelecer
novamente a calma e a reorganizar tudo.
- COMO EVITAR Heloísa Dantas,
professora da Faculdade de Educação da USP, alerta: estar preparada para a sala
de aula significa não só ter o planejamento em mãos, antecipando possíveis
contratempos, mas também ter o ambiente arrumado com antecedência. E nem tudo
precisa ser resolvido pelo professor. Uma possibilidade é familiarizar as
crianças com um espaço planejado para que elas tenham autonomia e atuem de
maneira exploratória em qualquer situação, mesmo as não previstas ou
combinadas.
Fonte:
Revista Nova Escola por Daniela Almeida – edição 218 – nov/2008
Comente: Dos casos
citados , qual se enquadrou em algum momento em suas aulas ? Que sugestão(ões) você adotaria para solucionar o
problema ? Por quê ?
ATPC da semana de
22/10/13 a 30/10/13